eu não digo tudo
tenho
um poema pra você
um poema antes de ser
um choro engasgado
um latim gasto
um elogio vago
um vocabulário repetido
um égua cheio de sentidos
não me lembro dele, como, desmaio da memória
uma adaga entre a palavra rimada e a garganta
o fio contíguo, o embrião da alma que elevou
outrora a própria alma, desliga-se lentamente.
um descuido de percurso, no limiar das curvas
os peixes saltam os portais, livres águas expurgam
os próprios peixes, seus habitantes.
o mar das águas claras esqueceu dos rios turvos,
ainda mais, das límpidas fontes que nunca correm
caminham lentas pra lá, os embriões que sabem
seu trabalho, agora são fios que não sabem soltar.
as almas gélidas, saúdam a memória da saudade
e a saudade a própria ação, procrastinar ir além
de ócio e só saudade sentir.
discurso repetido, de novo e de novo, sempre o novo
e o medo, dele os fios, de nós o solto.
ligados a palavra, o fio e o mar rompendo a matéria
indo lá e voltando
cá, uma solta de boi, gado bravo
na extensão do tempo, meu relógio parou, no poema
este vórtice catalizador de pré coisas que vão não ser.
o poema, você o eterno
e ir-vir da alma, liga e plaina
sobre a alma, equilibra a alma, desequilibra a alma, e
é a alma, indo e indo, lindo, sendo isso de luz, que a
alma é, e eu não e oposto sendo e os três não sendo
o poema, o poeta e a poesia, os dois são, agora.
o poema não é.
Paulo Freire

